domingo, 13 de dezembro de 2009

As polêmicas e os limites do PL-29

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) aprovou nesta quarta-feira (9) o Projeto de Lei número 29/2007, após quase três anos de empurra-empurra na Câmara Federal. Agora, ele será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e, caso seja ratificado, deverá ser encaminhado para discussão no Senado. O PL-29 trata de um tema nevrálgico, o da regulamentação da TV por assinatura – que hoje atinge apenas 7 milhões de domicílios no país.

O substitutivo aprovado, do deputado Paulo Lustosa (PMDB-CE), abre o lucrativo mercado para as empresas que operam serviços de telefonia – as teles, a maioria controlada por multinacionais; fixa cotas para a produção nacional e independente; regula a cadeia de produção; destina parte dos recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) para a produção de conteúdo nacional: e cria uma fiscalização no setor por meio da Agência Nacional de Cinema (Ancine).

Distintas reações ao projeto

O PL aprovado gerou distintas reações. O demo Paulo Bornhausen, autor do projeto original, não gostou da fixação das cotas para a produção nacional e do novo papel da Ancine. “O cidadão vai pagar a conta sem pedir”, chiou o neoliberal. Com a mesma visão mercadológica, sem qualquer compromisso com a nação, a Associação Brasileira de Programadores de TV por Assinatura já deflagrou campanha publicitária contra o projeto. Seu alvo é a política de cotas por “defender a liberdade do consumidor de poder escolher que tipo de programação deseja adquirir”.

No extremo oposto, os defensores da cultura nacional acharam o projeto “razoável”. Para Manoel Rangel, diretor-presidente da Ancine, “um país que deseja ter um futuro no cenário mundial deve ser necessariamente um grande centro produtor de obras audiovisuais e cinematográficas”. No mesmo rumo, o diretor da Associação Brasileira de Produtores de Audiovisual (ABPA), Roger Madruga, considerou que o “projeto não é o ideal, mas foi o possível. Ele se posiciona na questão do tripé fomento, cota e regulação”. Marcos Dantas, professor da UFRJ, avalia que o PL é melhor do que o original, mas critica o pequeno tempo destinado à produção nacional.

PL-29: pequena história de uma farsa

O jornalista Carlos Lopes, editor do jornal Hora do Povo e um nacionalista convicto, discorda do Projeto de Lei número 29, que regulamenta a televisão por assinatura no país. Na semana em que o PL foi aprovado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara Federal, ele publicou artigo alertando para a “invasão estrangeiro” no setor. Polêmico e bastante incisivo, o texto merece reflexões dos que defendem a cultura e a produção nacional:


O objetivo do Projeto de Lei nº 29/2007 (PL 29), desde o início, é legalizar a apropriação da NET pela Telmex. Todo o resto – cotas de meia hora por dia para a produção nacional, "incentivos" incertos ao audiovisual, etc. – são iscas para incautos, espargidas com a expectativa de que sirvam de cala-boca para que setores nacionais deixem passar a ilegalidade e a desnacionalização da TV por assinatura. O monopólio, como a máfia, sobretudo essa que tomou as telecomunicações do país, não conhece outra lógica senão a do suborno.

O PL 29 também "legalizaria" outro delito: a apropriação da TVA pela Telefónica. Mas quando o deputado Paulo Bornhausen (sobrenome que dispensa apresentações) apresentou o projeto, em 5 de fevereiro de 2007, esta última ainda não havia se concretizado.

Somente cinco meses depois, em 18 de julho de 2007, a Telefónica e a Abril obtiveram "anuência prévia" para a receptação da TVA pela primeira, na reunião nº 443 do Conselho Diretor da Anatel, por uma votação apertada (3 a 2), contra a análise do conselheiro Plínio de Aguiar Júnior - e graças ao voto de desempate do presidente da Anatel, o carcomido tucano Ronaldo Sardenberg. Além de Plínio, votou contra o conselheiro Pedro Jaime Ziller de Araújo.

Enquanto a Telefónica ainda pavimentava o caminho das pedras (é a expressão mais elegante que nos ocorre, leitor), a Telmex já havia obtido, quase três anos antes, a aprovação da Anatel para a apropriação da NET, em 6 de dezembro de 2004, através do Ato 48.245, ratificada em 15 de março de 2006 na reunião nº 385 do Conselho Diretor da Anatel.

O que importa nesse projeto, portanto, é passar o que interessa à Telmex, essa subsidiária "oculta" (nem tanto) da AT&T e controladora da Embratel – ela própria uma ex-estatal mexicana vendida sem dinheiro à vista, que tem como cabeça de proa um membro do bando de Carlos Salinas, prócer neoliberal conhecido por sua fulgurante carreira: de presidente do México a foragido.

A versão original do PL 29, entretanto, era impossível de ser aprovada pelo Congresso, porque era óbvio o seu objetivo. Por isso, foram adicionadas as iscas, introduzidas pelo deputado Jorge Bittar em dezembro de 2007 – mas, a cada versão do texto, essas iscas foram se tornando mais e mais raquíticas. Assim, chegou-se ao texto aprovado na semana passada pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara - e que terá seus destaques votados, presumivelmente, nesta semana - de autoria do deputado Paulo Henrique Lustosa, relator do PL 29 nessa comissão.

O essencial - a “legalização” da propriedade estrangeira sobre a NET e a TVA – é o mesmo da versão Bornhausen. E as iscas, de raquíticas tornaram-se terminais. O relator acrescentou um adereço às fenomenais cotas de meia hora por dia para a produção nacional no "espaço qualificado" dos "canais de espaço qualificado" (artigo 16): se as empresas pedirem dispensa dessas cotas por "incapacidade técnica" (?), a Anatel terá 90 dias para analisar o pedido – ou a dispensa seria aprovada por decurso de prazo.

O deputado também aceitou subir o limite (isto é, o tempo) de publicidade na TV paga, igualando-o com o limite de publicidade na radiodifusão (TV aberta e rádio). Em suma, o PL 29 tenta agora também “legalizar” (e aumentar) a dupla renda das teles na TV paga: além do que obrigam o usuário a pagar, teriam direito a vender o mesmo tempo de publicidade da TV aberta – tempo que, nesta, somente existe porque os usuários não pagam para assisti-la.

Na versão anterior, eram proibidos contratos de exclusividade entre produtores de conteúdo e empresas de TV por assinatura. Ainda que mambembe, era uma limitação ao poder das empresas de impor preços e esfolar os produtores. Pela nova versão, são permitidos contratos de exclusividade, se os produtores quiserem assiná-los. Uma boa forma das empresas (e estamos falando da Telmex e Telefónica) coagirem produtores a assinarem contratos de exclusividade. Ou assinam, e aceitam os preços das teles, ou ficam com a produção encalhada e vão à falência.
O relator suprimiu a obrigação de dois canais de notícias nos pacotes da TV paga onde houver algum canal jornalístico. Pelo novo PL 29, quem não quiser, por exemplo, assistir só aos débeis mentais da Fox News, que pague por fora do pacote.

Além disso, o deputado resolveu explicitar que as empresas podem cobrar por pacotes com apenas canais da TV aberta, isto é, canais da TV não-paga. Hoje, as empresas cobram por isso sem que a lei o diga. Colocado na lei, para quem mora numa cidade como São Paulo, isso equivale a uma extorsão, pois é impossível sintonizar decentemente a TV aberta com uma antena.

A emenda das operadoras de celular (aliás, as mesmas açambarcadoras da TV paga), dando poderes à Anatel para, a qualquer momento, mudar a destinação do espectro eletromagnético da TV paga, também foi aceita. Com isso, as operadoras de TV via MMDS (que são empresas menores) ficariam ameaçadas por lei de ter sua parcela do espectro diminuída a qualquer momento (como já está acontecendo, mas contra a lei atual, porque a Anatel decidiu tirar das operadoras de TV via MMDS uma parte da faixa de freqüência de 2,5 Ghz, para destiná-la às operadoras de celular 3G). Até mesmo a emenda das teles para que ficasse explícito que só a Anatel pode "regular" o setor (isto é, protegê-las) foi aceita. As teles, naturalmente, querem que a Anatel, e somente a Anatel, tenha poderes sobre o setor.

1- FHC abre setor para controle estrangeiro

No Brasil, como em todos os países civilizados, a propriedade dos meios de comunicação sempre foi permitida somente a brasileiros e a empresas brasileiras. O motivo é evidente: meios de comunicação em mãos de estrangeiros, ou de empresas estrangeiras, são uma influência estranha sobre os interesses nacionais, não somente sobre os brasileiros individualmente, mas sobre a economia, a política e a cultura do país.

Entretanto, cinco dias após tomar posse em seu primeiro mandato, Fernando Henrique assinou a "Lei do Cabo" (lei nº 8.977, de 6 de janeiro de 1995). Por ela, pela primeira vez na História do país, foi permitido a estrangeiros a propriedade, ainda que limitada, sobre um meio de comunicação. Em seu artigo 7º, diz essa lei:

"Art. 7º A concessão para o serviço de TV a Cabo será dada exclusivamente à pessoa jurídica de direito privado que tenha como atividade principal a prestação deste serviço e que tenha: I - sede no Brasil; II - pelo menos cinqüenta e um por cento do capital social, com direito a voto, pertencente a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos ou a sociedade sediada no País, cujo controle pertença a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos".

A propriedade estrangeira nas empresas de TV a cabo, portanto, não pode ultrapassar 49% do capital votante. Os tucanos não queriam enfrentar o escândalo de entregar diretamente a TV por assinatura ao capital estrangeiro. Porém, 49% é sempre o limite da vigarice e, se o leitor nos permite a expressão, o limite ideal para a mala preta. Quando aplicado ao capital nacional, mesmo sem lei que o determine, o limite de 49% serve para que os recursos do Estado, vale dizer, do povo, sustentem algum parasita – veja, por exemplo, os casos da Eletropaulo/AES, Banco Votorantim ou Banco Panamericano. Quando é aplicado ao capital estrangeiro, serve para que ele facilmente transgrida a lei, e, depois, passe a mala preta para mudar a lei.

Assim, é evidente qual a intenção desse limite de 49% ao capital estrangeiro na Lei do Cabo. Porém, ao contrário dos carteiros, que não tocam na porta duas vezes, a mala preta passa infinitas vezes. Os tucanos levaram somente dois anos para desrespeitar a lei que eles mesmos confeccionaram. Em 1997, Fernando Henrique assinou o decreto nº 2.196, permitindo que empresas de TV paga via satélite (DTH - "Direct To Home") e via microondas (MMDS - "Multichannel Multipoint Distribution Service") fossem 100% estrangeiras. O decreto favorecia o monopólio de 97% da TV via DTH do magnata e gangster Rupert Murdoch. A TV via MMDS recebeu, por tabela, o mesmo tratamento.

O decreto era (e continua sendo) completamente ilegal, porque um decreto não pode mudar uma lei. O objetivo da lei do cabo era regular a TV por assinatura. Se falava apenas em TV a cabo era porque essa era a TV por assinatura que existia quando foi elaborada. Mas é evidente que o critério de propriedade não pode mudar porque a TV paga é por satélite ou por microondas, até porque o dono da TV cobra um preço dos usuários pelo fato de ser proprietário, e não porque transmita por satélite, microondas ou cabo. No entanto, a única coisa evidente para os tucanos é que, quando se trata de beneficiar o capital externo, vale qualquer coisa, inclusive esquartejar a lógica num leito de Procusto entreguista.

2- Em 2004, Globo vende NET para Telmex

A Globo não somente bajulou Fernando Henrique e o câmbio engessado de seu pupilo Gustavo Franco - que arrasou as empresas nacionais no primeiro mandato tucano - como acreditou neles. Não foi a primeira vez que a combinação de reacionarismo e servilismo com estupidez levou ao desastre. Quando o câmbio explodiu, a Globo estava afundada pelas dívidas em dólar. Depois de anos perpetrando calotes (aqueles que ela sempre acusa o povo de cometer), em 2004 a Globo vendeu a NET para a Telmex.

Porém, a lei do cabo não permite que uma empresa estrangeira, como a Telmex, tenha mais do que 49% da NET. E, para a Telmex, não bastava a palavra dos Marinho de que, após uma mudança na lei, passariam o controle da NET. O capo da Telmex, Carlos Slim, até por ser um aproveitador da propriedade alheia, nessas questões não é burro. Foi até simples a solução, além de inteiramente ilegal. Os nossos leitores mais assíduos devem se lembrar: foram contratados os advogados Barbosa Müssnich e Sérgio Bermudes – os mesmos que montaram a tomada da Brasil Telecom por Daniel Dantas. A engenharia de bandidos consistiu em:

1) A Telmex e a Globo fundaram uma empresa, a "GB Empreendimentos e Participações" (CNPJ 04.527.900/0001-42) e transferiram para ela 51% das ações com direito a voto da Net Serviços.

2) Desses 51% das ações votantes da Net Serviços em mãos da GB, a Globo ficou com 51% delas - isto é, 26,01% (51% de 51%) das ações votantes da Net Serviços.

3) A Telmex ficou com 49% - isto é, 24,99% (49% de 51%) das ações com direito a voto da Net Serviços.

4) Por fora da GB Empreendimentos e Participações, a Telmex adquiriu 37,5% das ações com direito a voto da Net Serviços.

5) Com as ações que tem através da GB (24,99%) e com as que tem por fora da GB (37,5%), a Telmex passou a controlar 62,49% das ações com direito a voto da Net.

6) Além disso, a Telmex ficou com 100% das ações preferenciais (sem direito a voto).

7) Em seguida, fizeram a Anatel aprovar essa ilegalidade, primeiro pelo Ato 48.245, de 06/12/2004, depois pela decisão da reunião nº 385 do Conselho Diretor da Anatel, de 15 de março de 2006.

3- “Acordo de acionistas” entre a Telefónica e a Abril

A Telefónica fez a mesma coisa para levar a TVA, somente que por um método algo mais complicado, talvez porque os negócios do Civita, da Abril, e os da Telefónica, sejam sempre mais enrolados, mesmo num meio onde a trapaça é a regra.

1) A Telefónica registrou uma empresa de fachada denominada "Navytree".

2) A Abril, até então proprietária da TVA, passou para a "Navytree" 49% das ações com direito a voto e 100% das ações preferenciais da TVA Sul (operadora a cabo em Curitiba, Foz do Iguaçu, Florianópolis e Camboriú).

3) Os outros 51% das ações com direito a voto da TVA Sul ficaram com uma empresa denominada Datalistas, pertencente à Abril.

4) Porém, 100% das ações preferenciais da Datalistas foram passadas para a "Navytree", de propriedade da Telefónica. Com isso, a empresa da Telefónica ficou com 66,7% do capital total da Datalistas.

5) Na análise 001/2007-GCPA, do conselheiro Plínio de Aguiar, constatou-se que, com esse artifício, a Telefónica ficou com 91,5% da TVA Sul.

6) Na compra da TVA São Paulo, além da "Navytree", aparece outra empresa de fachada, a "Lemontree", esta registrada pela Abril.

7) Para a "Navytree", da Telefónica, foram passadas 19,9% das ações com direito a voto da TVA São Paulo e 100% das ações preferenciais.

8) O resto das ações ficou com a "Lemontree", registrada pela Abril, dos Civitas. Porém, a "Navytree", da Telefónica, ficou com 100% das ações preferencias da "Lemontree".

9) Somando todas ações que foram passadas para a "Navytree", diretamente ou através da "Lemontree", a Telefónica ficou com 86,7% da TVA São Paulo.

Mas, a Telefónica, até por ser uma quadrilha, não ia confiar num semelhante, isto é, no Bob Civita, dono da Abril. Exigiu dele um explícito "acordo de acionistas", determinando que a gerência e a infra-estrutura da TVA Sul e da TVA São Paulo são da Telefónica, com "uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos". Além disso, como cita o conselheiro Plínio de Aguiar Júnior, o acordo estabelece “opção irrevogável e irretratável de compra com relação às ações” da TVA pela Telefónica (cf. Plínio de Aguiar Júnior, Análise 001/2007-GCPA, pág. 11).

Como frisa o conselheiro, há aqui duas ilegalidades flagrantes segundo a própria Anatel. Na síntese do jornalista Gustavo Gindre:

"De acordo com o Regulamento para Apuração de Controle e de Transferência de Controle em Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações (a chamada Resolução 101, da Anatel), aprovado em 04 de fevereiro de 1999, tanto o 'uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos' quanto a 'existência de instrumento jurídico tendo por objeto a transferência de ações entre as prestadoras' caracterizam uma forma de 'controle vedado por disposição legal'. Portanto, segundo resolução da própria Anatel, o contrato de acionistas firmado entre os Civita e a Telefonica fere tanto a Lei da TV a Cabo quanto os contratos de renovação das concessões de telefonia fixa, porque transferem de fato o poder da Comercial Cabo e da TVA Sul para a Telefónica". (cf. Gustavo Gindre, "Empresas estrangeiras burlam a legislação para entrar no setor", Observatório do Direito à Comunicação, 14/11/2007 - grifos nossos).

O que não impediu a Anatel, com o voto de desempate de Sardenberg, de passar por cima do seu próprio Regulamento e Resolução. O conselheiro Plínio de Aguiar Júnior cita, em sua análise, o seguinte trecho do "acordo de acionistas":

“4.1 Os Acionistas concordam em sempre comparecer às assembléias gerais da Companhia e a exercer os direitos de voto inerentes às suas Ações de modo uniforme (...), bem como a Holding Cabo SP se compromete a fazer com que os membros do Conselho de Administração da Companhia por ela indicados sempre compareçam e votem nas reuniões do referido órgão exclusivamente (....) de acordo com o que for determinado em reuniões realizadas previamente a cada uma das assembleias gerais e/ou reuniões do Conselho de Administração da Companhia (“Reunião Prévia”) (cf. Plínio de Aguiar Júnior, Análise 001/2007-GCPA, pág. 12, grifos do autor da análise).

Não há como deixar de classificar essa fraude pelo devido nome: um acordo entre bandoleiros.

4- A exumação do PL-29 pelo deputado Jorge Bittar

O PL 29 do pequeno Bornhausen estava morto quando, em dezembro de 2007, o deputado Jorge Bittar o exumou. Basicamente o que Bittar fez foi estabelecer as iscas de que já falamos. Além disso, conseguiu transformar o projeto num emaranhado pseudo-conceitual, incompreensível para a maioria dos mortais – estranhamente, esses pseudo-conceitos mudavam a cada versão que Bittar fazia do PL 29. Na verdade, nada daquilo era sério. O objetivo continuava o mesmo: legalizar a ilegalidade na NET e na TVA, sobretudo na primeira. Ou, o que é a mesma coisa, contemplar os interesses da Telmex e da Telefónica na TV por assinatura.

Sintomaticamente, Bittar tramitou as suas versões do PL 29, na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, em caráter conclusivo – isto é, tentou até o fim aprová-lo na Câmara sem que passasse pelo plenário, um recurso dos mais anti-democráticos, usado sempre para aprovar atentados contra o povo (vide o recente caso do projeto dos despejos sumários). Ou seja, Bittar tentava aprovar a maior mudança - desde a independência do país, há quase dois séculos - na legislação referente ao capital estrangeiro nos meios de comunicação, evitando que o plenário da Câmara discutisse o projeto.

Não deu certo. Sobretudo porque alguns setores que tinham apoiado o projeto, devido às cotas para a produção nacional e às promessas de mais recursos para o audiovisual, começaram a entender qual era a sua essência real, a cada vez que Bittar recuava diante das pressões de teles e monopólios de mídia para que diminuísse o tamanho das iscas. Assim, as cotas para a produção nacional, que já não eram grande coisa no substitutivo inicial de Bittar, acabaram reduzidas a três (3) horas e meia semanais, ou meia hora por dia – na verdade, menos do que a realidade atual, e ainda com um gordo tempo de carência antes de entrarem em vigor. A última versão de Bittar do PL 29, pouco antes que saísse da relatoria, era, na verdade, não muito diferente do substitutivo atual, do deputado Paulo Henrique Lustosa. Este piorou o projeto – mas a base para isso foi o substitutivo de Bittar.

Para justificar interesses, sempre aparece uma teoria para apresentar o que é mesquinho e anti-nacional como se fosse interesse da sociedade e do país. Nesse caso, apresentar o interesse da Telmex e da Telefónica como se fosse o interesse do Brasil.

A teoria que apareceu foi a de que a propriedade da TV paga, se nacional ou estrangeira, não tinha importância. O que importava era contemplar a produção nacional. Portanto, supõe-se, para garantir espaço para a produção nacional, temos de entregar os meios de comunicação aos estrangeiros... Obviamente, se a propriedade não for estrangeira, mas for, por exemplo, da Globo, além de algumas novelas que têm muito pouco de nacional, estaremos condenados a assistir a um enlatado de fora atrás do outro. Mas isso se dá exatamente porque a Globo, em relação à nação, está no campo dos colaboracionistas do capital estrangeiro, ainda que com algumas contradições.

Em sua modalidade mais sem-vergonha, exposta por Sardenberg, essa teoria era a de que o “negócio” (a propriedade) é uma coisa e o “conteúdo” é outra coisa – e uma nada tem a ver com a outra. Como se a propriedade não existisse exatamente para impor o conteúdo... Na atual sociedade, dizia um personagem de Máximo Gorky, “o homem é livre porque paga”. Ou seja, quem tem a propriedade manda. Quem não tem, obedece – ou é excluído. Fora isso, a alternativa é se revoltar – e não se conformar.

O PT e a Conferência de Comunicação

O professor Marcos Dantas, da Escola de Comunicação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é um dos principais intelectuais filiados ao PT engajado na luta pela democratização da mídia no Brasil. Ele entende como poucos como funciona este setor estratégico na atualidade e apresenta sempre uma visão de futuro sobre o tema. No artigo abaixo, ele conclama os ativistas do seu partido – mas seu alerta serve a todos os militantes de esquerda – sobre algumas batalhas principais em debate na Conferência Nacional de Comunicação. Vale conferir:


Falta menos de uma semana: no dia 14, começa a 1ª Conferência Nacional de Comunicação – 1 ª Confecom. Convocada pelo presidente Lula em janeiro passado, esta será a primeira vez em que a sociedade brasileira, empresários e não-empresários, juntamente com o governo, debaterão o presente e o futuro (não esquecendo o passado) das comunicações brasileiras.

O PT tem diretrizes para essa conferência. Aprovada em resolução da DN no dia 17 de setembro último, as diretrizes constituem uma orientação segura para a intervenção dos quadros petistas nesse encontro e deveriam estar, neste momento, sendo objeto de discussão e apropriação por parte de todos os delegados petistas à Confecom.

É sabido que uma conferência popular como as muitas que se realizam no Brasil – e a Confecom não será diferente – acabam se transformando em palco para a apresentação e defesa de centenas de teses e proposições segmentadas, particularistas, não raro paroquiais, próprias das condições diversificadas e plurais dos movimentos sociais.

Um programa alternativo sistêmico e global

Pensa-se muito nas partes, pouco se pensa no todo. No entanto, na Confecom, estará presente um forte grupo de interesse que só pensa no todo: o empresariado. Pelas características do capital e pelas características das comunicações, o empresariado vai intervir, com todo o seu poder, a favor de soluções sistêmicas e, sem trocadilho, globais.

Cabe justamente a um partido político de esquerda, pela sua condição de articulador político das lutas sociais e espaço programático da sua síntese, oferecer, também, para o movimento popular, e em seu nome, um programa alternativo sistêmico e global. O PT cumpriu o seu papel. A resolução da DN oferece aos militantes partidários uma segura e mesmo avançada orientação para a nossa intervenção na Confecom. Este texto buscará chamar atenção e comentar alguns dos seus principais pontos (o espaço não permite tratar de todos).

A resolução da DN entende, ao comentar o marco regulatório a ser construído pela Confecom, que este, hoje, é fragmentário, permite que as nossas comunicações estejam sob o comando de grandes conglomerados empresariais associados ao capital estrangeiro e que, diante da chamada “convergência de mídias”, esse controle pode mesmo vir a se ampliar.

O PT não cai no canto da sereia determinista que nos promete guiar para uma automática democratização das comunicações, só pelos efeitos mágicos das tecnologias digitais. Por isto, sugere à Confecom (logo, à militância petista) um conjunto de propostas bem concretas e sistêmicas visando construir um novo marco regulatório que possa, de fato, abrir espaço para a democratização das nossas comunicações. O PT avançou. Não nos sugere apenas formar algum “conselho” para seguir discutindo catarticamente. Sugere-nos propostas concretas a serem incorporadas em alguma futura legislação.

Limites à indústria de comunicação

O primeiro item dessa proposta diz que o novo marco regulatório deverá estabelecer “atribuições e limites para cada elo da indústria de comunicação (criação, produção, processamento, armazenamento, montagem, distribuição e entrega), impedindo que uma mesma empresa possa atuar nos mercados de conteúdo e infra-estrutura”. A letra g. acrescenta: “A distinção entre operação de rede e a produção/programação de conteúdos, inclusive de radiodifusão”.

Os delegados petistas à Confecom já pararam para pensar no que significam esses dois itens? Ao contrário do que parece, nas comunicações, produzir e programar não são necessariamente as mesmas coisas que emitir e transmitir. Uma produtora de filmes ou shows quase nunca é programadora. Uma empresa programadora pode, numa ponta, adquirir filmes, shows ou jogos de futebol das produtoras e organizá-los, ou programá-los, para emissão e transmissão, entregando essa programação para outra empresa que apenas cuidará dessa atividade. A emissão e transmissão tanto podem se dar pelo espectro de radiofreqüências (em FM, VHF, UHF etc.), quanto pelo cabo, pelo satélite, por banda-larga ou redes celulares.

Hoje, nos sistemas de cabo ou satélite, já existe, ao menos formalmente, essa separação entre produção/programação, de um lado, e emissão/transmissão, do outro. Os canais de TV por assinatura não são “donos” dos cabos ou satélites pelos quais chegam às nossas casas. Na internet também: o cabo pelo qual você acessa os serviços do seu provedor de acesso não é “propriedade” ou “concessão” desse provedor.

Separar produção de transmissão

O PT está propondo com todas as letras que essa regulamentação seja estendida também à radiodifusão aberta: que a empresa programadora não seja concessionária do canal (VHF ou UHF) de transmissão. Isto é possível? Claro que é, e já é assim na grande maioria dos países europeus. No Reino Unido, por exemplo, a famosa BBC não é uma emissora, embora pareça: os seus programas chegam aos lares britânicos através das freqüências, torres, cabos da Crown Castle.

O PT não está propondo uma mera “revisão dos critérios de concessão”. O PT está propondo uma radicalmente nova regra de organização do conjunto dos serviços de comunicações, com clara separação entre os produtores/programadores de conteúdos e os emissores/transportadores de sinal. Qual a vantagem disso para os movimentos populares e para a democracia?

Leiamos o que dizem os itens b. a f. da resolução da DN:

b) Políticas, normas e meios para assegurar pluralidade e diversidade de conteúdos;

c) Políticas, normas e meios para assegurar que a pluralidade e a diversidade cheguem aos terminais de acesso;

d) O fomento da produção privada não comercial ou pública não-estatal;

e) O fortalecimento dos meios e da produção público-estatal;

f) A proteção e o estímulo à produção comercial nacional;

A clara distinção entre os dois macro-setores da cadeia produtiva permite que venhamos a ter políticas de fomento, inclusive fiscais e regulatórias, para incrementar a produção e programação de interesse popular, sobretudo essa segmentada e particularista de tanto interesse de um sem número de movimentos sociais. Você quer “direitos”? Todos queremos.

Incentivo à produção não-comercial

Todos queremos o direito à fala. Pois é na produção/programação que garantimos esse direito à fala, pois aqui se encontra realmente aquela distinção entre “sistemas” que lemos (e defendemos) na Constituição brasileira. Ninguém liga rádio para ouvir chiados, ninguém liga televisão para ver chuviscos, ninguém assina um serviço celular para sair por aí com um penduricalho na orelha... O que interessa a você não é o meio, mas o conteúdo que o meio lhe permite acessar e, também, poder transmitir conteúdo que o meio lhe permite transmitir. Os movimentos populares, as comunidades, os produtores de cultura não precisam do, e em geral não têm condições de deter o controle técnico e financeiro dos meios. Precisam, sim, que lhes seja assegurado a possibilidade de transmitir o que quiserem transmitir por esses meios.

Para terem essa possibilidade, precisam, antes de mais nada, de apoio: recursos financeiros, incentivos, políticas federais, estaduais e municipais de fomento etc. Essas políticas (“eixo de conteúdos”) devem ser voltadas para o fortalecimento da produção privada não-comercial (ONGs, sindicatos, comunidades, associações populares as mais diversas, partidos políticos, igrejas etc.) e para o fortalecimento da produção estatal, entendendo que, numa verdadeira democracia, o Estado é público. Cabe também apoiar a produção comercial independente, sobretudo aquela de pequenas e médias produtoras de cultura.

O Estado, hoje, tanto no âmbito federal quanto no estadual e municipal, gasta milhões de reais com publicidade veiculada nos grandes e ricos meios empresariais de comunicação, bem como com financiamentos e incentivos fiscais a grandes produtores. Precisa orientar a maior parte dessa grana para os produtores populares, para canais estatais e para a pequena e média empresa nacional. Os grandes que se virem...

Recuperar o conceito de serviço público

Será necessário também espaço na programação, inclusive e principalmente dos programadores comerciais. Isto se faz com cotas, conforme já ensaiado no debate da PL-29, muito pouco entendido e menos aprofundado por certos setores da esquerda. Para x horas de programação diária, devem existir y horas de produtos nacionais, ou regionais, ou comunitários etc. Inclusive nas telas dos grandes portais. Por que não exigir que além de tanta bobagem, “celebridades”, esportes etc., as primeiras páginas dos Yahoo!, dos UOLs etc. abram também um certo espaço (a ser dimensionado) para orientar o navegante na direção de sítios, blogs e portais comunitários, populares, educacionais, etc.?

Em relação aos meios de transmissão (freqüências VHF, UHF, cabo, satélite e, também, no celular), a resolução da DN nos diz para defender na Confecom (letras h a j):

h) O conceito de rede em regime público para banda larga e telefonia celular;

i) A construção e a operação de uma infra-estrutura público-estatal nacional;

j) O estimulo a infra-estruturas público-estatais de base e alcance municipais;

Significa que, nos meios de transmissão, devemos basicamente recuperar o conceito de serviço público em todas as redes e infra-estrutura. Hoje em dia, esse conceito, pela legislação atual apenas se aplica à (velha) telefonia fixa e à (antiga) radiodifusão aberta. A nova regulamentação proposta pelo PT, ao conceder os meios (inclusive as radiofreqüências em VHF e UHF) para entidades exclusivas de infra-estrutura, permitirá regulamentá-los para atenderem aos “três sistemas”: haverá necessariamente uma ou mais de uma infra-estrutura de natureza pública (por radiofreqüências, cabo, satélite etc.) que deverá servir, em condições isonômicas e democráticas, à produção/programação privada não-comercial e à estatal, podendo também atender à comercial.

Por exemplo: se numa banda UHF de TV digital cabem oito programações simultâneas e paralelas, então o operador desse canal (que não poderá ser nenhum produtor/programador como é hoje) assegurará um terço das faixas para cada um dos “três sistemas”. Se no cabo da TV paga cabem 200 programações simultâneas (geralmente denominadas “canais”), então para cada 20 ou 30 ou 40 “canais”, 20% ou 30% ou 50% deverão ser não-comerciais ou público-estatais.

A serviço do desenvolvimento nacional

Princípio idêntico, consideradas as condições técnicas, podem ser também defendidos para o celular e a banda-larga. Aliás, se for para universalizar a banda-larga e, por ela, permitir a disseminação pelo país a fora de todo o lixo cultural consumista colonizador estadunidense, então será melhor não universalizar... Por isto, diz ainda a resolução da DN que caberá “estender a regulamentação de que trata os artigos 220 e 221 da Constituição para a as áreas de TV a Cabo, satélite, internet etc.”.

Hoje, esses artigos se aplicam apenas à radiodifusão aberta, entendida, aliás, como um sistema que integra produção/programação/transmissão. O PT defende, com razão, que esses artigos constitucionais devem ser aplicados a todos os novos meios que apareceram depois de 1988, quando não se falava nem em celular, nem em internet. Trata-se de defender que, no Brasil, as comunicações precisam estar a serviço do desenvolvimento nacional, do fortalecimento da nossa cultura, da mobilização e articulação política do nosso povo.

Na Confecom, respeitando obviamente o mandato que recebi da sociedade civil fluminense, eu buscarei encaminhar as resoluções da DN. E você, companheiro?