quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Por que choram pelos golpistas do Clarín?

Uma desastrada e estranha iniciativa da Receita Federal da Argentina, que acionou 200 auditores numa operação de fiscalização das contas do bilionário Grupo Clarín, causou calafrios nos barões da mídia do mundo todo. A ONG Repórteres Sem Fronteira, financiada por poderosas empresas, inclusive de armamentos, e por instituições imperiais dos EUA, logo criticou o “grave atentado à liberdade de expressão”. Já a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que reúne a máfia da mídia na América Latina e que até hoje não disse uma palavra contra o golpe militar e a censura em Honduras, também condenou o “autoritarismo da presidenta Cristina Kirchner”.

No Brasil, os donos dos meios de comunicação também ficaram ouriçados. A TV Globo exibiu várias vezes a operação dos fiscais, opinando arbitrariamente que ela partirá por ordem direta do governo argentino, taxado de “ditatorial”. A revista Veja foi ainda mais longe. Viu na ação uma orquestração “esquerdista” internacional. “Como Chávez mandou”, foi o título da matéria. Para a famíglia Civita, “a imprensa argentina é mais uma em perigo na América Latina. Na Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua, governos esquerdistas adotaram a estratégia, herdada dos regimes militares, de acuar a imprensa com confiscos, ameaças e leis liberticidas”, esbravejou a Veja.

Com saudade dos golpes militares

Os jornalões diários, que apoiaram o golpe e a ditadura no Brasil, também chiaram. Fingindo-se de vítima da censura, o Estadão se comparou ao Clarín. Já a Folha, a mesma da “ditabranda” e da falsa ficha policial da ministra Dilma Rousseff, publicou o editorial “Abuso e intimidação”. Para a famíglia Frias, que emprestou suas peruas para levar presos políticos à tortura, o governo de Cristina Kirchner estaria trilhando o caminho dos “regimes fascistas”, a exemplo de outros países do continente. “O desrespeito à liberdade de expressão é endêmico na América Latina”.

Nem mesmo as declarações oficiais de autoridades do governo argentino, criticando a operação aloprada dos agentes fiscais, foram suficientes para conter a ira dos barões da mídia. O próprio diretor da Receita Federal, Ricardo Echegaray, negou em carta enviada ao Clarín que tenha dado qualquer ordem. O chefe do gabinete da presidente, Aníbal Fernandes, também estranhou o fato. Lembrou que o Legislativo do país debate um projeto de lei para regulamentar a comunicação, enfrentando a brutal monopolização do setor. “É pouco inteligente acreditar que o governo seria tão estúpido para armar esta situação”, afirmou, insinuando que a ação serviria ao grupo Clarín.

Desespero dos barões da mídia

Toda a celeuma neste episódio tem razões mais profundas. Elas dizem respeito ao projeto de lei, corajosamente enviado pelo governo Cristina Kirchner, que regulamenta a área de comunicação. A própria revista Veja confessou seus temores, demonstrando todo seu ranço. “Por esta proposta, um terço das concessões de televisão seria entregue aos sindicatos pelegos. Outro terço ficaria com o governo. Só o restante poderia ir para mãos independentes”, lamentou. Toda a pirotecnia midiática em torno da “invasão” do Clarín serviria apenas para abortar a votação deste projeto.

Como afirma o professor Denis Moraes, que recentemente publicou o excelente livro “A batalha da mídia”, descrevendo as políticas de democratização da comunicação na América Latina, “este confronto já era previsível”. O projeto de lei, com apenas 21 pontos, representa duro golpe nos monopólios midiáticos, em especial do Grupo Clarín, que possuí 264 concessões de rádio e de televisão, monopoliza o serviço de TV a cabo e comanda o principal jornal do país. Caso vingue, a poderosa corporação teria que abrir mão de 236 outorgas e perderia a exclusividade na TV por assinatura. Daí a gritaria dos barões da mídia.

Uma trajetória sinistra

Esta postura golpista, agora alvoroçada contra o projeto de lei da radiodifusão, não é novidade na história do Grupo Clarín. Este império prosperou durante a ditadura fascista da Argentina e hoje compõe o seleto clube das 50 maiores corporações midiáticas do planeta. Num editorial de 24 de março de 1976, o Clarín defendeu abertamente o golpe. “A economia se encontra numa etapa vizinha ao colapso total. A violência subversiva e sua ação criminosa exigem ordenar medidas adequadas para exterminá-las... Abre-se agora uma nova etapa com renascidas esperanças”.

Como lembra o professor Andrés Iari, a linha editorial do jornal Clarín “serviu para justificar os horrendos crimes da ditadura... Só quando os ‘subversivos’ foram virtualmente eliminados pelos militares e estes já não eram mais necessários, ele se tornou um embandeirado da democracia”. Defensor intransigente do “deus-mercado”, o Clarín ajudou a criar o clima para a implantação do receituário neoliberal, que na gestão do presidente Carlos Menem levou a Argentina à falência econômica e à miséria total. Já no governo de Nestor Kirchner, a sua conduta foi errática, fazendo um jogo pragmático para arrancar subsídios e novas concessões públicas de rádio e televisão.

Com a eleição de Cristina Kirchner, o Clarín virou um raivoso palanque da oposição neoliberal. No ano passado, os seus veículos foram os principais mentores do cruel locaute do agronegócio, que quase levou ao total desabastecimento da economia. Com a apresentação do projeto de lei da radiodifusão, o golpismo deste grupo atingiu o ápice. “O objetivo do Clarín é desestabilizar os Kirchner e fazer com que volte ao poder um grupo de centro-direita”, garante Dênis Moraes. Daí o porquê os barões da mídia do mundo inteiro choram tanto pelos golpistas deste conglomerado.